terça-feira, 20 de dezembro de 2011

A cordialidade adormecida

Contrariando a premissa que temos de não discutir questões relacionadas a violência, desta vez quebraremos o silêncio, mas não vamos discutir os últimos homicídios ou os atentados contra o patrimônio, que vão desde o simples roubo de um celular (chamo de simples, porque faz parte do cotidiano de todas as classes sociais) até o assalto a mansões, bancos ou empresas. Vamos falar da violência instaurada em nosso imaginário como uma solução a todos os problemas.

A violência tem tomado conta dos principais meios de comunicação do país, através de diversas notícias, artigos, matérias, crônicas, cartoons, charges, quadrinhos, desenhos animados, filmes, novelas, literatura, música, etc... Mas, afinal, porque estamos tão intimamente ligados a violência? Até mesmo um acidente que envolva veículos, sem nenhuma vítima, chama muita atenção, enquanto nem sempre uma inauguração de centro cultural ou escola são celebradas da mesma forma.

O Brasil foi forjado na violência, diretamente ligada a uma aristocracia medieval, que trouxe muitos costumes absurdos e adicionou alguns novos, tais como a escravização de povos de outras etnias, como índios ou africanos. Em resposta, a rebelião para a liberdade também estava ligada a violência, algumas vezes como vingança ou justiça (chame como quiser) e noutras, simplesmente para garantir que não fossem novamente perseguidos. A origem pode ser essa, mas a persistência desta violência até os dias de hoje não pode ser explicada dessa forma.

Alguns fatos apontam que alguns governos estaduais têm abandonado as práticas violentas, como foi o caso da ocupação da Rocinha. Pessoalmente estava preocupado com essa situação, principalmente por envolver vidas de pessoas que, quase sempre, não estão envolvidas diretamente com essa guerra ligada ao tráfico de drogas. Os principais meios de comunicação enviaram muitos jornalistas e todo um aparato para a cobertura de uma guerra e, por outro lado, as forças policiais e militares enviaram, literalmente, um aparato de guerra. Entretanto, o resultado foi outro, e a ocupação ocorreu sem disparos. Não sei ao certo se a ocupação é o melhor caminho, mas de uma coisa tenho certeza: se ela ocorrer, é melhor que ninguém morra - nem policia, nem ladrão e muito menos a população, que durante anos foi forçada a conviver com uma guerra em frente à porta de sua casa. Se me perguntassem sobre uma imagem que em minha opinião exemplifique a violência, me arriscaria a indicar esse vídeo que foi reproduzido muitas vezes na televisão, inclusive nos noticiários que “entretém” as nossas tardes: a imagem mostrava um helicóptero perseguindo e fazendo disparos consecutivos contra dois jovens que trajavam apenas bermudas. Todos os narradores (que pude ver e ouvir) informavam que eram bandidos que haviam disparado contra o helicóptero, porém, o que se via eram dois jovens assustados em fuga, descendo em desespero por um grande barranco fugindo de disparos de rifles e fuzis. E o pior aconteceu. Os jovens não foram presos e julgados por um tribunal, foram cruelmente assassinados (Se quiser confira as imagens no link 1). Ao ver os fatos da atual ocupação da Rocinha à distância, parece que a política de combate ao crime, e não aos seres humanos, está mudando no Rio de Janeiro. Mas nada disso terá efeito sem mudanças estruturais nos morros, ou seja, a urbanização promovida nos últimos anos, se bem feita, pode quebrar paradigmas e acabar com a guerra que os moradores são obrigados a vivenciarem todos os dias.

Em contraposição a isso, as forças policiais de São Paulo deram uma resposta absurda a ocupação da reitoria da USP (não vou discutir se as ações dos estudantes tem fundamento ou não), o que se viu foi um circo armado para tomar o prédio a força, com arrombamentos e tudo o que é necessário para se criar um verdadeiro “circo” na operação. Aproximadamente 73 alunos estavam nessa reitoria, o que acredito que poderia ser desocupada com o uso de apenas um negociador. Não lembro de nenhum meio de comunicação noticiar ou discutir se o Estado tentou negociar uma liberação do prédio de forma pacifica. As forças policiais deveriam cumprir o que a justiça determinou, mas a saída não foi pacifica, e sim violenta em demasia. Mas a USP não é caso isolado, acompanhei algumas ações da policia que utilizava armamentos “não letais” (que consistem em bombas de gás e espingardas calibre 12 equipadas com projeteis de borracha) para tentar desobstruir áreas ocupadas por manifestantes, ou em um processo de reintegração de posse: o que se vê muitas vezes são abusos, como policiais removendo identificações, já premeditando atos violentos (Confira no link 2).

Analisar como as forças policiais agem consiste é um direito e dever de toda a sociedade. As analises devem ser feitas sem nenhum tipo de emoção, mas o Estado não promove estas discussões da mesma forma que discute os orçamentos de outras áreas. A segurança pública nunca teve o dever de apenas assegurar a ordem e a segurança para que os governantes possam governar, sendo que o maior objetivo é proteger a sociedade, incluindo pessoas que cometem delitos, pessoas que querem discutir políticas públicas, pessoas que vivem dentro de terrenos irregulares, usuários de drogas, etc. Em nenhuma parte da constituição brasileira, nem tampouco nas leis específicas, existe alguma menção ao direito das forças policiais em executarem pessoas, ou agir de forma violenta. Infelizmente, na prática a sociedade muitas vezes pede por ações deste tipo, influenciada principalmente pela violência promovida por certos apresentadores de TV, filmes americanos, e algumas pessoas que não compreendem o dever das forças de segurança.

As periferias brasileiras presenciaram muitos abusos e muitas vezes se acostumam com práticas absurdas por serem traídas por estas forças. Desta forma, levará muito tempo para que as forças policiais sejam compreendidas e descubram seu verdadeiro papel, que é proteger as leis e, sobretudo, a vida humana. Nem mesmo os Direitos Humanos são entendidos corretamente, principalmente por não serem divulgados. Constantemente presencio pessoas falando que os direitos humanos permitem que a violência exista, mas assegurar direitos como a vida, a igualdade entre as pessoas, o direito ao trabalho, a educação, assistência médica, a liberdade de expressão ou a um julgamento justo é uma forma de aumentar a violência?

A redução da violência está intimamente ligada à cordialidade, que está ausente, algumas vezes, até em momentos de lazer como num simples jogo de futebol praticado por amigos, que muitas vezes termina em briga pelo excesso de preocupação com o resultado do jogo. Temos que levar a cordialidade e a preocupação com o outro a um patamar superior, para que se torne um traço de nossa cultura. Que mostre que os brasileiros estão preocupados com seus irmãos e muito menos com o dinheiro que vem dentro de aviões estrangeiros, sejam com os grandes eventos internacionais, ou com os grandes empresários. Tenho certeza que se o Brasil se empenhar em cumprir o primeiro artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos haveria uma redução drástica na violência: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade”.

Link 1 (Policiais do BOPE e do CORE perseguindo e executando supostos bandidos)

http://www.youtube.com/watch?v=N_TeUPJCXt8


Link 2 (Policiais militares removem suas identificações pessoais para conter a população)

http://www.flickr.com/photos/marcuskawada/5497013799/in/photostream


Link 3 (Declaração Universal dos Direitos Humanos) http://www.ohchr.org/EN/UDHR/Documents/UDHR_Translations/por.pdf

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