quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

A Periferialização Sociocultural

Já são inúmeros os autores que perceberam que uma Periferialização Sociocultural está viva e atuante. A sua voz já ecoa com mais força, principalmente através de uma cena cultural exuberante, e se fosse citar nomes, me faltaria espaço neste texto. Ela, inclusive, já se apropriou de alguns dos meios comunicacionais de massa para divulgar os seus ideais e, neste cenário, até mesmo as grandes emissoras de televisão notaram o inevitável: a periferia se tornou centro - Centro da cultura e de um novo pensamento de sociedade. Vide “Manos e Minas”, da TV Cultura, a participação de Alessandro Buzzo (onde ele mostra a movimentação cultural dos bairros mais afastados) e do quadro Parceiro SP no jornal SPTV, além da rádio 105FM nos brinda com programação recheada de Rap, Samba de Raiz, Reggae e informação. Não podemos nos esquecer da loja 1daSul, que proliferou o nome do Capão Redondo por todos os cantos de São Paulo através de seus bonés e adesivos. E neste período de afirmação da Periferialização Sociocultural, há os que fingem não percebê-la e os que não a percebem, de fato.

Hermano Vianna, antropólogo e escritor, já dissera, abordando a música e a tecnologia, que “país cultural oficial, mesmo o retratado na mídia de massa, parece uma pequena e claustrofóbica espaçonave, em rota de fuga por universos paralelos, cada vez mais afastado do país real, da economia real, da cultura da maioria”. Isso se torna visível, palpável e real na história de vários de nossos cidadãos, que cada dia mais se utilizam dos próprios meios para sobreviver economicamente, e nesta realidade, a cor do sangue, da pele, da bandeira política de nada vale frente a necessidade e criatividade, que precisa ser verdadeira e concreta.
O fato é que, mesmo diante de dados inquestionáveis, esta Periferialização Sociocultural é escondida, vetada de forma considerada sutil aos olhos dos atuais donos da famigerada “influência midiática”. Incluo neste pacote até mesmo dados que nós mesmos já publicamos anteriormente, no artigo chamado Falar, ouvir, entender e ser entendido”. Mas, pouco a pouco, seus olhos são forçados a enxergar esta realidade. Está cada vez mais difícil ignorar uma existência que, por si só, já cria um novo reduto social, cultural e econômico, desbancando a tradicional “indústria do dinheiro”. Vejam só: Os dados da Pnad (Pesquisa Nacional de Amostragem Domiciliar) de 2010 provam que há um declínio na diferença de renda média entre ricos e pobres, considerando o período entre 1985 e 2010. Somando-se a isso, a própria Pnad, em 2005, revelou que 52% da massa de renda brasileira está concentrada nas classes C, D e E, o que mostra que podemos ter menos dinheiro, mas somos muitos e se organizados somos nós que vamos liderar nos caminhos do futuro do país.
Toda a formatação desta Periferialização Sociocultural não é um acontecimento surgido diante de um inexplicável “fenômeno cósmico”, como costumam justificar os mais místicos. Tudo segue seu caminho graças à persistência de antepassados periféricos (muitos deles ainda tem o coração batendo), que diante de uma sociedade ainda mais desigual e cruel, permaneceram com atitude e coragem na manutenção de sua cultura e, mais do que isso, acreditaram no seu próprio potencial de estabelecer uma ordem que subverte o padrão histórico. Hermano Vianna citou o rap, um produto desta resistência: “O rap não foi uma invenção da indústria fonográfica, veio de fora e subjugou a indústria que teve que passar a trabalhar para propagar ainda mais seu “vírus”. Ao que tudo indica, a indústria vai desaparecer e o rap vai ficar cada vez mais forte e rico”.
O mais curioso é que, num lento processo, a periferia se transforma em centro, e suas “baladas”, que não são tão badaladas como as da Vila Madalena ou da Vila Olímpia, figuram com um diferencial: não são embaladas ao som comercial, daquele que vem encaixotado num formato que faz somente dançar segundo o seu ritmo. Aqui, nos Saraus ou nas apresentações artísticas regionais, o que se nota é uma migração no sentido contrário, onde os moradores dos bairros que antes eram os berços da diversão da noite ou do dia paulista, agora são os bairros dormitório de pessoas que querem conhecer uma cidade muito maior do que  aquilo que a televisão, o rádio e a imprensa conseguem retratar - é uma cidade dentro da cidade que tem um coração social e cultural que agora bate em ritmo mais forte.

Como descreve Hermano Vianna citando Racionais: “A periferia agora inclui o centro” e como exemplo disso, podemos citar o documentário institucional do SESC Santo Amaro, que associa a imagem de grandes nomes da periferia da Zona Sula a sua imagem, mostrando que o Sesc, apesar de estar em Santo Amaro, quer ser incluído na periferia, seja pelo Campo Limpo de Binho, o Piraporinha de Sergio Vaz, o Monte Azul de Tchê Araujo, e por todos os pequenos bairros culturais que formam a grande periferia, que, ironicamente eram parte de Santo Amaro (e que agora Santo Amaro quer fazer parte).  “Como cantam os Racionais MCs, ‘periferia é periferia, em qualquer lugar’. Essa letra é mais verdadeira do que nunca. Cada vez mais, a periferia toma conta de tudo. Não é mais o centro que inclui a periferia. A periferia agora inclui o centro. E o centro, excluído da festa, se transforma na periferia da periferia.” – Hermano Vianna.
Link para o documentário do Sesc Santo Amaro (Direção de Peu Pereira e apresentação de Zinho Trindade): http://www.youtube.com/watch?feature=player_detailpage&v=Qb-jWF9PwPI

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