terça-feira, 20 de dezembro de 2011

A prisão pode estar em sua mente

Nossa sociedade é regida por economistas, o dinheiro é o centro de nosso mundo, a imprensa e a cultura são meros instrumentos do consumismo e do capital. No último sábado, em uma conversa informal com colegas de estudos vivenciei um exemplo muito claro disto: contava que visitaria uma penitenciaria no domingo e os comentários destes amigos diziam que eu era louco ou que eu faria algo sem sentido. Mas me pergunto quais seriam os comentários se eu dissesse que iria a um show de rock internacional ou a um Shopping Center? Acredito que conhecer a realidade de meu país, ou das estruturas da sociedade é quase uma obrigação de todos os brasileiros, por isto conhecer o “interior” do sistema carcerário sempre foi uma de minhas maiores necessidades.

Em um país que possui quase 184 milhões de pessoas, o Brasil possui quase 500 mil pessoas presas. Os dados do Departamento Penitenciário Nacional apontam que apenas 8% destas pessoas estudam. Segundo a lei de execução penal Lei Nº 7.210 o objetivo da prisão é: Art. 1º A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado. Apesar de a educação ser tema de quase todas as campanhas políticas, em São Paulo nenhum professor trabalha em penitenciárias, a educação é exercida apenas pelos presos.

Entretanto, estas informações são apenas números. Como poderia escrever sobre uma realidade não conhecida? Não é fácil para um jornalista entrevistar um preso ou conhecer o que acontece dentro de uma unidade prisional. Apesar de muitas pessoas pensarem que o objetivo da prisão é punir os presos e castigá-los de todas as formas possíveis, a lei e o bom senso dizem o contrário. De qualquer forma, um encarcerado sempre retornará (desde que não seja assassinado) para as ruas e precisa de todo o estímulo possível para que não volte a cometer crimes. Discursos da sociedade, o que inclui jornalistas, críticos e as pessoas que encontro nos mais diversos locais, mostra que muita gente ainda acredita que cuidar dos presos é uma obrigação somente do Estado. Mas como é que o Estado está preparando os encarcerados para voltar para a liberdade?

Depois de uma conversa informal com o escritor Ferréz, o mesmo comentou que iria a uma instituição prisional. Com todos meus questionamentos, acreditava que esta poderia ser a minha chance. Pedi a ele para acompanhá-lo nesta visita, que aconteceria na cidade de Guarulhos, na unidade chamada "José Parada Neto". Quando cheguei descobri que se tratava da cerimônia de encerramento de um projeto chamado “Como Vai Seu Mundo”, idealizado pelo Rapper Dexter, com o apoio do juiz corregedor da Comarca de Guarulhos, Jaime Garcia Jr. O evento foi arquitetado pelo Coletivo PESO e realizado pelo Instituto Crescer. Com a presença dos educadores que participaram do projeto, rappers e aberto a todos os presos da instituição, esta tarde se tornou uma das mais impactantes de minha vida.

Pouco a pouco, a cultura do Hip Hop mostra que o entretenimento não é seu único objetivo. Todos os participantes mostravam uma extrema alegria pela possibilidade de contribuir para uma sociedade mais segura, e, principalmente, para a preparação dos presos para o seu retorno a sociedade. Conversei com muitos presos, que também reconheciam a importância do curso e do evento. Alguns deles receberam o certificado de sua participação no projeto. Conversas me mostravam que a admiração dos presos não estava no simples fato destas pessoas estarem lá para contribuírem com seu desenvolvimento, mas por estas pessoas os respeitarem e os tratarem como seres humanos. Mais uma vez noto que o amor dá mais resultado que a dor e a violência.

Mas a situação dos presos no Brasil ainda está longe de ser boa. Só quem conhece o que se passa por dentro das grades e muralhas das prisões sabe o que estou falando. Tenho alguns amigos e conhecidos que já foram presos, ou que ainda estão; e por todos os relatos, entendo que, para que o preso não se torne reincidente, é necessário reinserir estas pessoas no mercado de trabalho, através de uma política de educação verdadeira nos ambientes prisionais. Em algumas penitenciarias existe a possibilidade do preso trabalhar ou/e estudar, de forma a reduzir sua pena. Mas nem tudo são rosas. Quase sempre o preso que trabalha não poderá estudar, ou vice versa, pois os horários destas atividades são simultâneas. Na penitenciária para os presos em regime fechado, chamada “Desembargador Adriano Marrey" - Guarulhos II, onde o horário em que as celas estão abertas das 8 às 16 horas, não existe a possibilidade de um preso estudar e trabalhar: o horário de trabalho é o mesmo do horário de estudos e não existe educação após as 16 horas. Neste tipo de sistema, todos perdem.

Um dos problemas que a impressa mais cita em suas matérias sobre a penitenciária é o uso do celular por presos, o que levou inclusive ao aumento dos procedimentos de revista para a entrada de familiares nos dias de visita. Mas não vejo o mesmo empenho da imprensa em entender os motivos dos encarcerados em continuar a utilizar estes aparelhos. Os presos no Brasil não têm direito de se comunicar com sua família ou com uma pessoa que pode o apoiar para a re-socialização - é o ponto cego que faz com que, na realidade, quase todas as penitenciarias tenham celulares, onde o principal objetivo é pedir ajuda; seja da roupa de cama, do chinelo de dedo a talvez uma pasta de dente, ou mesmo uma toalha. Para o Estado estas necessidades são menores, ou pouco importantes para recuperar uma pessoa privada de sua liberdade. Esta “indiferença” e faz com que muitos busquem uma solução para esta situação.

Discutir o que acontece dentro dos presídios pode contribuir para a sociedade, mas é preciso conhecer o que acontece nestas instituições para que os erros não se perpetuem por mais tempo. Alguns exemplos como o do rapper Dexter, que iniciou sua trajetória artística dentro da unidade prisional do Carandiru, mostram que o retorno para a sociedade tem que ser marcada por uma transformação de pensamento e não por punições aplicadas aos presos que violam os Direitos Humanos

Os Maiores Resquícios de “Privataria Tucana” – A Mídia em Xeque

Imagem retirada do Facebook
O último final de semana ficará marcado na história da política e do jornalismo brasileiro. E tudo acontecera em virtude da publicação do livro “A Privataria Tucana”, de Amaury Ribeiro Jr., imediatamente seguido de repercussão em alguns veículos da mídia tradicional (TV, Rádio e Revistas, com destaque à Carta Capital e a emissora Record News) e principalmente na internet, tomando para si um teor apocalíptico. O material de Ribeiro Jr. é praticamente um dossiê detalhado da corrupção que cercou os processos das privatizações durante 1998 e 2002, período no qual Fernando Henrique Cardoso era presidente da república. Utilizando-se de documentos legítimos e dando nome aos “bois”, o autor fez que sua obra abalasse a credibilidade da grande mídia, além de estremecer o cenário político brasileiro.

Mais importante do que a própria publicação de Amaury Ribeiro Jr. são as reflexões sobre o papel da mídia e a influência que ela exerce sobre os cidadãos. O que ocorreu, e gritou aos ouvidos de quem acompanhou os acontecimentos decorrentes do lançamento de “A Privataria Tucana”, foi um silêncio (vejam a contradição) absurdo, que simplesmente ignorou o recorde de vendas de um livro sobre jornalismo durante as 24 horas de precederam seu lançamento. Daí é possível traçar um simples parâmetro da relação entre a mídia e o crime: As edições de hoje dos jornais O Estado de São Paulo e da Folha de São Paulo registraram 10 e 7 notícias relacionadas a crimes em seus cadernos “Metrópole” e “Cotidiano”, respectivamente. Destas nenhuma trouxe ao público denuncias sobre corrupção, evasão de divisas ou lavagem de dinheiro. Os jornais veiculados nos canais de televisão “Globo”, “Bandeirantes”, “SBT” e “RedeTV” abordaram o dia-a-dia da Esplanada sem se quer falarem sobre os efeitos pós-publicação do famigerado livro. Em contrapartida, a revista Veja publicou a matéria “A Trama dos Falsários”, ‘curiosamente’ funcionando quase como resposta aos documentos mostrados por Ribeiro Jr., que aponta, em proporções grandiosas, o envolvimento de políticos (e seus familiares) do PSDB em assombrosos esquemas de lavagem de dinheiro.

É inevitável, diante do silêncio da grande mídia sobre “Privataria Tucana”, deixar de associar o interesse dos dirigentes dos meios de comunicação ao jornalismo praticado pelos mesmos. O fato é que a mídia alternativa vem, cada vez mais, funcionando como verdadeira porta-voz do povo, já que dificilmente está atrelada financeiramente ou politicamente a qualquer instituição com fins ‘questionáveis’. O levantamento de tais suspeitas não se deve a uma excessiva confiabilidade aos argumentos de Amaury Ribeiro Jr., mas sim à notoriedade de tal publicação. Trata-se de um assunto que diz respeito, acima de tudo, ao dinheiro público. Nós, cidadãos, somos os maiores contribuintes para com o Estado, seja através de impostos ou uso dos serviços governamentais. Independentemente de conduta ou preferência política, vivenciamos um dos acontecimentos mais importantes na história recente do Brasil e, infelizmente, pouquíssimos representantes do jornalismo estão falando disso.

Uma forma amplamente competente de análise sobre a atuação da imprensa no caso “Privataria Tucana” é, conforme comentado pelo jornalista Washington Araújo no site do Observatório da Imprensa, um olhar sobre a pífia alternativa de, ao invés de pregar os preceitos da comunicação (imparcialidade, pluralidade de opiniões, etc.), requentar escândalos antigos, como se nada de novo tivesse acontecido. (Verifique o Caderno “Poder” da Folha de São Paulo).

Vale uma menção honrosa a versão humorística do caso no tablóide “The Piauí Herald”, vinculado ao site do jornal “O Estado de São Paulo”. Porque com humor, pode...


O Livro e a Pirataria

Passados apenas três dias do lançamento do livro de Ribeiro Jr., os mais assíduos leitores se depararam com uma leitura simples, mas que ao mesmo tempo cobra paciência para decorar instituições e pessoas envolvidas nos casos relatados. Impressiona o quanto são revelados detalhes das ações criminais, chegando ao ponto de serem citados até números de contas bancárias. Há uma menção ao “amadorismo” de certos envolvidos que, talvez por não se sentirem suficientemente ameaçados, não temeram assinar documentos tanto como procuradores de empresas situadas em paraísos fiscais, como também beneficiários de seus próprios depósitos bancários de dinheiro “lavado”.

Com uma tiragem inicial de 15 mil cópias, todas vendidas em menos de 24 horas, tomou forma o movimento de “pirataria” da obra. Não é raro encontrar versões do livro no formato PDF, disponibilizados de forma gratuita em blogs e compartilhados em redes sociais virtuais.


Jornal da Record (Record News)

http://www.youtube.com/watch?v=3dRZM6_xCmM


Jornal da Gazeta (TV Gazeta)

http://www.youtube.com/watch?v=JAt5dBgJVdM&feature=related



Comentário do Cineasta Jorge Furtado sobre o livro:

http://www.casacinepoa.com.br/o-blog/jorge-furtado/privataria-tucana



Link Observatório da Imprensa:

http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed672_o_silencio_ensurdecedor_da_imprensa



Links: Humor:

http://revistapiaui.estadao.com.br/blogs/herald/brasil/serra-sorteia-aecio-no-amigo-oculto

Proibir a carona é a solução para crimes e acidentes?

A assembléia Legislativa do Estado de São Paulo aprovou na noite de ontem uma lei no mínimo absurda, para não dizer preconceituosa, que proíbe motociclistas de levarem garupas durante os dias uteis em municípios com mais de 1 milhão de habitantes, além de também obrigar o motociclista a estampar o número da placa da moto no capacete e no colete com material refletivo.

O autor da lei o Deputado Estadual Jooji Hato (PMDB) afirma que a medida é feita para aumentar a segurança dos motociclistas, devido ao aumento de acidentes fatais envolvendo estes motoristas, e diminuir o número de crimes contra o patrimônio. A medida afetará apenas três municípios do Estado de São Paulo: São Paulo, Guarulhos e Campinas.

Os erros começam nos argumentos: o autor e os deputados que aprovaram a medida não levaram em consideração que a motocicleta é um dos principais meios de transporte da cidade e uma das únicas opções para os moradores das periferias de São Paulo. Outro ponto é que, ao retirar o carona eles não acabarão com os acidentes, mas sim, diminuirão uma prática que reduz o transito e desafoga o transporte público. Uma solução mais adequada para reduzir as fatalidades e os acidentes seria aumentar a quantidade de corredores para motocicletas, pois, com maior espaço para trafegar, a possibilidade de colisão de motocicletas com carros, ônibus e caminhões é reduzida. Nos acidentes, raramente as motocicletas colidem com outras motocicletas ou com objetos estáticos - quase sempre estão envolvidos carros, caminhões ou ônibus - mas as leis e medidas sempre envolvem as motocicletas.

O segundo argumento para aprovação da lei seria a diminuição da quantidade de crimes contra o patrimônio nos quais são utilizadas motocicletas, mas pouco se fala nas armas letais empregadas. O instrumento do crime não é a motocicleta e sim a arma de fogo, que circula livremente pelas cidades que serão afetadas pela nova lei. A venda de armas de fogo é amplamente facilitada pelas ações que envolvem o combate ao crime, onde a pena para o porte ilegal de armas de fogo é de 1 a 3 anos de pena, e geralmente não termina em prisão em regime fechado. Trata-se de uma lei muito branda, principalmente quando comparada, por exemplo, ao crime de tráfico de drogas, em que a pena é de 5 a 15 anos. Para evitar este tipo de delito o governo poderia ampliar os esforços para fiscalizar as milhares de motocicletas que circulam sem placas em todas as cidades, além de acabar com a corrupção nos DETRANs e em órgãos e empresas que fabricam e lacram as placas. Facilitar o reconhecimento de veículos utilizados para praticar delitos significa melhorar a vida de todas as pessoas, diminuindo o número de furtos e roubos de veículos. Esta nova lei, de autoria do Deputado Jooji Hato (PMDB), afetará principalmente pessoas que nunca praticaram crimes com motocicletas e, em muitos casos, são vítimas destes criminosos.

Outro ponto falho da lei é obrigar a aplicação dos números das placas das motocicletas em capacetes e coletes, pois o capacete não é de uso obrigatório em uma motocicleta especifica, ou seja, seria necessário comprar um capacete para cada moto utilizada e um capacete para cada motocicleta em que se pegar carona. Quanto ao uso de colete, este é obrigatório somente para motoboys. Como a lei do Deputado Jooji Hato não especifica quem deverá utilizá-lo, todos os motociclistas serão obrigados a utilizarem coletes refletivos, o que não faz nenhum sentido, tendo em vista que todas as motocicletas são fabricadas com diversas partes refletivas.

Essa lei, como tantas outras criadas para regulamentar os usos de motocicletas, foi redigida e aprovada por pessoas que não utilizam a moto como meio de transporte, o que faz com que abusos sejam aprovados e forcem os motociclistas a aceitarem sem ao menos serem consultados. Se sancionada pelo governador, esta lei contribuirá para o aumento da poluição, visto que agora somente uma pessoa poderá fazer uso deste meio de transporte nos dias úteis, e, pouco a pouco, estará criminalizando o uso da motocicleta ao associá-la diretamente a atividades criminais. Nunca pude acompanhar ou ter conhecimento de alguma lei que regulamentasse a circulação de aviões nas regiões produtoras de cana de açúcar, onde diariamente, toneladas de armas e drogas são trazidas de fora para dentro do país, nem tampouco limitar o uso de carros durante a noite para evitar a combinação de álcool e direção, evitando os homicídios dolosos e milhares de reais no atendimento a vitimas deste tipo de crime. Os nossos deputados estaduais deveriam se preocupar mais em criar leis para facilitar a vida da população e não aumentar os problemas. Combater o crime está totalmente relacionado a políticas sociais e a melhoria de nossas leis, que cada vez mais, criminalizam pessoas descentes e favorecem os famosos colarinhos brancos. (Incluindo juízes criminosos, que tem como pena máxima por qualquer crime cometido, a aposentadoria.)

Confira a nova lei e os argumentos do deputado Jooji Hato:
http://www.al.sp.gov.br/spl_consultas/consultaDetalhesProposicao.do?idDocumento=1011460#inicio

Falar, Ouvir, Entender e Ser Entendido

Baseio-me, em partes, no material trazido à tona pela profª Magda Soares, docente da UFMG, no livro Linguagem e Escola: uma Perspectiva Social. Neste estudo Magda fala sobre o fracasso escolar no Brasil, atribuído de forma enfática à distância existente entre a linguagem das camadas populares e a linguagem da classe dominante. Para ela, a escola tem por padrões a linguagem da classe detentora do poder econômico e, em momento algum, há um movimento para adaptá-la ao aluno das classes menos privilegiadas. Esse fenômeno acaba gerando falta de proximidade e sentido ao aprendizado. É um tema que, para mim, não é pertinente somente ao sistema educacional, mas à vida em si.

Não vou me ater à realidade nacional, por isso vou transpor tudo para o território de São Paulo. É fácil convir que a cidade em questão seja dividida em alguns mundos, onde questões culturais, sociais e lingüísticas demarcam suas fronteiras. Enfim; é difícil supor que exista uma unidade integradora nas relações que permeiam a convivência entre tais “mundos”.

Falar, ouvir, entender e ser entendido, na verdade, é um desafio. A problemática, no entanto, está na tentativa errante de aplicar conceitos de um mundo X num mundo Y. Os sucessivos fracassos da escola, da publicidade, da música e de tudo mais que tenta adentrar na realidade dos que possuem menor poder aquisitivo podem ser atribuídos a uma tentativa inútil de sobrepor uma cultura a outra. E isso ocorre porque uma minoria, que tem grande poder econômico, também detém os padrões disseminados pela mídia. Vivemos, por exemplo, em convívio direto com padrões estéticos que não condizem com a nossa própria genética. Se pegarmos o percentual de negros e pardos no distrito do Capão Redondo, temos 60% da população com estas características. Em contrapartida, quantos negros ou pardos figuram em telejornais ou propagandas? (Ouça link ao final e confira a seguinte informação: Não há presença de apresentadoras negras ou pardas em programas televisivos infantis!). No campo do ensino, percebemos que “a escola enquanto instituição mantém a mesma ossatura rígida e excludente já faz um século. Continua aquela estrutura piramidal, preocupada apenas com o domínio seriado e disciplinar de um conjunto de habilidades e saberes” – Miguel G. Arroyo, professor da UFMG. Temos lhe dar com proposições distantes do nosso cotidiano, que nos empurra uma cultura que se impõe a nossa. Não temos exemplificações da utilidade de um bom ensino, já que o mercado de trabalho também transborda preconceitos de todas as formas.

Voltemos então para a divisão dos “mundos” paulistas: o que ocorre é que nem sempre há uma vontade alheia de se ouvir e entender. Se não podemos contar com políticas públicas que nos assegurem a igualdade de vozes, as instituições privadas contribuem para a manutenção de uma cultura da exclusão: Os jovens formados no ensino público e jovens afro descendentes são os que mais sofrem com o desemprego nestas instituições, somando 23,8% de acordo com o IBGE.

Outro ponto de análise que prega a manutenção da cultura dominante é o fato de o marketing, a propaganda e a mídia funcionam como grandes formadores de opinião. Entretanto, devemos ter cuidado com a inversão de nossos valores e necessidades. Se por um lado queremos um mundo que nos ouça e respeite, é imprescindível que não nos deixemos dominar por agrados supérfluos. Se quisermos ser ouvidos e entendidos, precisamos saber falar e entender a nossa própria identidade.

Tendo como foco o apresentado acima, é fácil identificar tamanha dificuldade comunicacional entre os mundos paulistas: Há uma disparidade enorme na participação no jogo que envolve o falar, ouvir, entender e ser entendido, sendo que, da forma que se configura, o direito a expressão é totalmente cerceado. Neste diálogo de apenas uma voz, por enquanto vamos contando somente com os ouvidos...

Link:http://www.redebrasilatual.com.br/radio/programas/jornal-brasilatual/negros_visibilidade_comunicacao_trabalho.mp3/view

A cordialidade adormecida

Contrariando a premissa que temos de não discutir questões relacionadas a violência, desta vez quebraremos o silêncio, mas não vamos discutir os últimos homicídios ou os atentados contra o patrimônio, que vão desde o simples roubo de um celular (chamo de simples, porque faz parte do cotidiano de todas as classes sociais) até o assalto a mansões, bancos ou empresas. Vamos falar da violência instaurada em nosso imaginário como uma solução a todos os problemas.

A violência tem tomado conta dos principais meios de comunicação do país, através de diversas notícias, artigos, matérias, crônicas, cartoons, charges, quadrinhos, desenhos animados, filmes, novelas, literatura, música, etc... Mas, afinal, porque estamos tão intimamente ligados a violência? Até mesmo um acidente que envolva veículos, sem nenhuma vítima, chama muita atenção, enquanto nem sempre uma inauguração de centro cultural ou escola são celebradas da mesma forma.

O Brasil foi forjado na violência, diretamente ligada a uma aristocracia medieval, que trouxe muitos costumes absurdos e adicionou alguns novos, tais como a escravização de povos de outras etnias, como índios ou africanos. Em resposta, a rebelião para a liberdade também estava ligada a violência, algumas vezes como vingança ou justiça (chame como quiser) e noutras, simplesmente para garantir que não fossem novamente perseguidos. A origem pode ser essa, mas a persistência desta violência até os dias de hoje não pode ser explicada dessa forma.

Alguns fatos apontam que alguns governos estaduais têm abandonado as práticas violentas, como foi o caso da ocupação da Rocinha. Pessoalmente estava preocupado com essa situação, principalmente por envolver vidas de pessoas que, quase sempre, não estão envolvidas diretamente com essa guerra ligada ao tráfico de drogas. Os principais meios de comunicação enviaram muitos jornalistas e todo um aparato para a cobertura de uma guerra e, por outro lado, as forças policiais e militares enviaram, literalmente, um aparato de guerra. Entretanto, o resultado foi outro, e a ocupação ocorreu sem disparos. Não sei ao certo se a ocupação é o melhor caminho, mas de uma coisa tenho certeza: se ela ocorrer, é melhor que ninguém morra - nem policia, nem ladrão e muito menos a população, que durante anos foi forçada a conviver com uma guerra em frente à porta de sua casa. Se me perguntassem sobre uma imagem que em minha opinião exemplifique a violência, me arriscaria a indicar esse vídeo que foi reproduzido muitas vezes na televisão, inclusive nos noticiários que “entretém” as nossas tardes: a imagem mostrava um helicóptero perseguindo e fazendo disparos consecutivos contra dois jovens que trajavam apenas bermudas. Todos os narradores (que pude ver e ouvir) informavam que eram bandidos que haviam disparado contra o helicóptero, porém, o que se via eram dois jovens assustados em fuga, descendo em desespero por um grande barranco fugindo de disparos de rifles e fuzis. E o pior aconteceu. Os jovens não foram presos e julgados por um tribunal, foram cruelmente assassinados (Se quiser confira as imagens no link 1). Ao ver os fatos da atual ocupação da Rocinha à distância, parece que a política de combate ao crime, e não aos seres humanos, está mudando no Rio de Janeiro. Mas nada disso terá efeito sem mudanças estruturais nos morros, ou seja, a urbanização promovida nos últimos anos, se bem feita, pode quebrar paradigmas e acabar com a guerra que os moradores são obrigados a vivenciarem todos os dias.

Em contraposição a isso, as forças policiais de São Paulo deram uma resposta absurda a ocupação da reitoria da USP (não vou discutir se as ações dos estudantes tem fundamento ou não), o que se viu foi um circo armado para tomar o prédio a força, com arrombamentos e tudo o que é necessário para se criar um verdadeiro “circo” na operação. Aproximadamente 73 alunos estavam nessa reitoria, o que acredito que poderia ser desocupada com o uso de apenas um negociador. Não lembro de nenhum meio de comunicação noticiar ou discutir se o Estado tentou negociar uma liberação do prédio de forma pacifica. As forças policiais deveriam cumprir o que a justiça determinou, mas a saída não foi pacifica, e sim violenta em demasia. Mas a USP não é caso isolado, acompanhei algumas ações da policia que utilizava armamentos “não letais” (que consistem em bombas de gás e espingardas calibre 12 equipadas com projeteis de borracha) para tentar desobstruir áreas ocupadas por manifestantes, ou em um processo de reintegração de posse: o que se vê muitas vezes são abusos, como policiais removendo identificações, já premeditando atos violentos (Confira no link 2).

Analisar como as forças policiais agem consiste é um direito e dever de toda a sociedade. As analises devem ser feitas sem nenhum tipo de emoção, mas o Estado não promove estas discussões da mesma forma que discute os orçamentos de outras áreas. A segurança pública nunca teve o dever de apenas assegurar a ordem e a segurança para que os governantes possam governar, sendo que o maior objetivo é proteger a sociedade, incluindo pessoas que cometem delitos, pessoas que querem discutir políticas públicas, pessoas que vivem dentro de terrenos irregulares, usuários de drogas, etc. Em nenhuma parte da constituição brasileira, nem tampouco nas leis específicas, existe alguma menção ao direito das forças policiais em executarem pessoas, ou agir de forma violenta. Infelizmente, na prática a sociedade muitas vezes pede por ações deste tipo, influenciada principalmente pela violência promovida por certos apresentadores de TV, filmes americanos, e algumas pessoas que não compreendem o dever das forças de segurança.

As periferias brasileiras presenciaram muitos abusos e muitas vezes se acostumam com práticas absurdas por serem traídas por estas forças. Desta forma, levará muito tempo para que as forças policiais sejam compreendidas e descubram seu verdadeiro papel, que é proteger as leis e, sobretudo, a vida humana. Nem mesmo os Direitos Humanos são entendidos corretamente, principalmente por não serem divulgados. Constantemente presencio pessoas falando que os direitos humanos permitem que a violência exista, mas assegurar direitos como a vida, a igualdade entre as pessoas, o direito ao trabalho, a educação, assistência médica, a liberdade de expressão ou a um julgamento justo é uma forma de aumentar a violência?

A redução da violência está intimamente ligada à cordialidade, que está ausente, algumas vezes, até em momentos de lazer como num simples jogo de futebol praticado por amigos, que muitas vezes termina em briga pelo excesso de preocupação com o resultado do jogo. Temos que levar a cordialidade e a preocupação com o outro a um patamar superior, para que se torne um traço de nossa cultura. Que mostre que os brasileiros estão preocupados com seus irmãos e muito menos com o dinheiro que vem dentro de aviões estrangeiros, sejam com os grandes eventos internacionais, ou com os grandes empresários. Tenho certeza que se o Brasil se empenhar em cumprir o primeiro artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos haveria uma redução drástica na violência: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade”.

Link 1 (Policiais do BOPE e do CORE perseguindo e executando supostos bandidos)

http://www.youtube.com/watch?v=N_TeUPJCXt8


Link 2 (Policiais militares removem suas identificações pessoais para conter a população)

http://www.flickr.com/photos/marcuskawada/5497013799/in/photostream


Link 3 (Declaração Universal dos Direitos Humanos) http://www.ohchr.org/EN/UDHR/Documents/UDHR_Translations/por.pdf

Civilidade pelos Civis

Muito se fala, não à toa, de uma tal Sociedade Civil, por tempos esquecida. A sociedade, principalmente a nossa, brasileira, finalmente tomou a frente de suas próprias ações, em movimento que parece trazer de volta tons de dignidade a sua própria existência.

As afirmações acima não entoam em jargões políticos, mas em fatos reais. Pensar isso como verdade é, acima de tudo, refletir como está mudando a relação entre Estado e população. Há uma constatação urgente nisso tudo: Essa mudança ocorre, em primeira instância, das pessoas para o governo; e não o contrário.

Baseando-se na história recente do país, basta pensar nas diferenças que marcam a participação da sociedade nos processos de transformação da realidade: Há menos de 25 anos atrás estávamos saindo de uma ditadura política; passamos por incríveis dificuldades econômicas em meados dos anos 90 e hoje, apesar de todos os efeitos da corrupção, da desigualdade social e etc., colhemos alguns dos bens que “plantamos” durante as nossas vidas. Avaliando, por exemplo, ações provindas de ONGs em terras nacionais, vemos que, apesar de grande número delas oferecerem remunerações aquém do mercado, não há indícios de queda na criação delas – Pelo contrário, houve um impressionante aumento de 1180% (mil cento e oitenta por cento!) de 2002 a 2006.

Vivemos num país que, infelizmente, não nos oferece ferramentas o suficiente para eliminarmos as absurdas disparidades econômico-sociais vigentes desde os tempos coloniais. Em controvérsia, algumas possibilidades de mudança têm chegado à população, como é o caso da internet. Em um bom uso deste veículo comunicacional é possível ganhar voz perante muros que nos foram impostos tempos atrás. As redes sociais tanto já glorificaram como determinaram a queda de muitos.

Outro fenômeno relevante é a ascensão do empreendedor individual em solo tupiniquim. Segundo o SEBRAE, o número de empreendedores individuais formalizados já soma 1,5 milhões no país. É o recorde, com significado que pode ir além de um parâmetro econômico: O brasileiro quer se desprender de sua macro-dependência, apesar de ainda ser refém de uma burocracia questionável.

Certamente, visto o cenário descrito, o que impulsiona a grande maioria destes números e mudanças é a expansão da classe C, que encontra-se majoritariamente nas periferias. Mas há algo que precisamos dominar, apoderar-nos de forma positiva: O conhecimento. Está nele a chave da transformação.

De acordo com a agência WMcCann, nos dez últimos anos a internet tornou-se o principal meio de informação do brasileiro. Entretanto, 90% do uso atribuído a ferramenta destina-se a entretenimento. Apenas 21% de sua utilização está ligada a “Provocar Mudanças”. Os livros devem ser mais presentes e as bibliotecas mais “requeridas”.

Outro ponto pouco explorado na demarcação do poder civil é a ocupação dos espaços públicos. Acostumamos-nos a identificá-los como de propriedade de um grupo ou outro. “Essa praça é dos punks... Aquela é dos emos... A outra é dos skatistas...”. Não é. É nossa. É de todo mundo e não de um grupo específico. É deles também. A TV também é nossa, assim como tudo aquilo que não pertence legalmente a um cidadão especifico.

Em suma, estamos mais perto de exercer a civilidade. Mas o caminho nos cobra mais postura, mais sentimento de inclusão, mais compaixão, mais tolerância e auto-estima.

A Sociedade do Kirisute Gomen

Certa vez, em meio a pensamentos sobre o que somos e o que podemos ser, fui levado para um tempo passado, porém intenso e extremamente presente nos dias atuais. Trata-se de uma lei samurai chamada “Kirisute Gomen”. E você deve perguntar: O que isso tem haver comigo? Parece difícil raciocinar sobre isso, mas não é tanto. “Kirisute Gomen” dava a um samurai o poder de eliminar com sua espada qualquer um das castas mais baixas que não o respeitasse.

Na verdade os meus pensamentos não se iniciaram nos samurais. Começaram a partir de uma visão que temos nas ruas, nas casas, nas escolas... Hoje não se usa a espada e nem se mata com proteção da lei (será?). Mas digam-me: Quantas vezes destroem-nos sonhos e tiram-nos as condições de sermos felizes? Quantas vezes cerceiam o amor presente nas coisas simples, substituindo-o por valores inerentes a sociedade – Tais como ganância, status, vaidades e prazeres imediatos e extremamente passageiros?

A sociedade moderna nasceu muito antes do qualquer um dos que lêem este texto. E ela, sem que nos doa tanto, determina caminhos, trabalha silenciosa em arquivos confidenciais com acesso a poucos privilegiados. Mostra-te o que quer mostrar. Mata lentamente, sem que sejam ouvidos os gritos. Divide-nos entre o conforto de ver tudo pela janela e o inferno das ruas.

Voltando ao “Kirisute Gomen”, lembro-me que os samurais faziam parte de uma casta que estava abaixo da nobreza e dos senhores feudais. Eles eram parte de uma máquina. Te remete a algo?

Persisto, apesar de tudo. O amor existe, de forma sutil. Por vezes numa São Paulo que não é vista. E é isso que leva o Criolo, com toda a razão e segurança, a dizer que “Não Existe Amor em SP”. É o amor que leva o Ferréz a disparar palavras de indignação no mais apaixonado dos protestos. Os saraus levam marmanjos às lágrimas por amor. As donzelas da periferia andam de moto, usam capacetes e são mais apaixonantes do que as princesas de almas tão vazias, como “flores mortas”.

A cultura que prega o domínio do mais forte se aplica ao jogo violento. Jogo de aparências. Jogo da rebeldia sem causa. Jogo do “siga o mestre”. Jogo corporativista. Kirisute Gomen

“Não acredito que um indivíduo possa progredir espiritualmente, enquanto aqueles que o cercam estão sofrendo” dizia Gandhi. É por isso, veja, por isso é que o Criolo diz que não existe amor em SP. Progredir espiritualmente é a porta para a uma felicidade “maior”. Fruto do Amor. Amor que não é só o “doce”. Amor que nos move.

A luz no fim do túnel marca presença nessa história do “Kirisute Gomen”. Foram os samurais que eliminaram, posteriormente, aos seus superiores. Assumiram o poder. E desapareceram através dos tempos...

A espera de um milagre

Estamos cá, outra vez, à beira de outro verão no hemisfério sul. O que esperar deste período? Depende. Pode ser o sol escaldante que lota piscinas e praias durante as férias dos “abonados”. Ou, quem sabe, o transtorno de sempre causado por enchentes homéricas. Preste atenção no termo “sempre”. Você conhece essa história?

É inevitável, ao mesmo tempo imprescindível, notar o descaso do poder público para com a situação. Uma matéria da “Carta Capital” nos trouxe um ponto crucial para o entendimento sobre a falta da intervenção dos governos para prevenção às enchentes: “... o prefeito Gilberto Kassab (PSD) admitiu que as demais intervenções previstas no Orçamento deste ano ficarão para 2012. Segundo dados da execução orçamentária atual, a reserva de recursos mencionada por Kassab alcança apenas 22% do total previsto para o combate às enchentes na capital. Dessa verba, só 8,3% foram gastos efetivamente - ou R$ 57,1 milhões de um total de R$ 683 milhões”. As informações são do jornal “O Estado de S. Paulo”.

Em complementação, não nos choca, mas reforça a dura realidade, o conteúdo do estudo “Vulnerabilidades das Megacidades Brasileiras às Mudanças Climáticas”, publicado por pesquisadores do INPE, IPT, UNESP, UNICAMP e USP. Um dos principais pontos da abordagem nos traz a seguinte perspectiva: “As maiores vulnerabilidades associadas a perdas humanas (durante o período de enchentes) localizam-se nos bairros periféricos, enquanto as maiores vulnerabilidades associadas a perdas econômicas e materiais se dão nos bairros consolidados”. Outro dado apontado pelo estudo é o que diz que, na zona sul, os locais que apresentam as piores condições de estrutura para encarar enchentes nos próximos anos incluem os distritos do Jardim Ângela, Capão Redondo e Campo Limpo.

Concentrando-nos ao referido acima, é óbvio que o fenômeno das enchentes não se refere apenas a “excesso de chuvas”. Trata-se de uma questão estrutural, que historicamente foi deixada de lado – Afinal, existe uma enorme disparidade entre os níveis de estruturação entre bairros ocupados pela elite paulistana e os demais. Para se ter idéia, o governo estadual (de José Serra) gastou mais com publicidade em 2009 do que a prefeitura gastou entre 2006 e 2009 com obras anti-enchentes.

É bom lembrar que o fator mais relevante para que aconteçam os sucessivos desastres causados pelas enchentes refere-se a inoperância dos governos ao não formular políticas públicas para suprir à necessidade de moradia da população, que acaba ocupando áreas como várzeas e encostas (Altamente vulneráveis às chuvas). E o pior vem a seguir: É prevista uma piora sensível nos efeitos desse fenômeno, já que, a partir de um aquecimento global progressivo, haverá também um aumento na ocorrência de chuvas intensas. Para 2030, considerando a área de expansão de nossa região metropolitana, é esperado que aproximadamente 11,17% das novas áreas urbanizadas poderão se constituir em novas áreas de risco de deslizamentos.

As enchentes causam outros problemas não contabilizados, como a proliferação de doenças infecciosas tais como parasitas intestinais, dengue e leptospirose. Além das marcas nas paredes, as fortes águas das chuvas também marcam as vidas de todos os envolvidos nos incidentes: no ano passado foram mais de 12 mil pessoas desalojadas no Estado de São Paulo, sendo que mais de 2500 ficaram desabrigadas. Deixar para depois as ações que minimizam os riscos pode ser comparado a deixar um doente no hospital e esperar por sua morte.

Fonte: http://www.inpe.br/noticias/arquivos/pdf/megacidades.pdf

http://www.cartacapital.com.br/sociedade/enchentes-o-descaso-publico-que-constroi-o-cenario-do-desastre

As cores da juventude

Vivemos em um mundo que tenta nos confundir: a cada esquina uma nova informação, a cada cruzamento uma confusão. Como podemos decidir que caminho tomar sem ao menos ter a certeza de que é o caminho correto? Acredito que esta deve ser uma dúvida constante nos corações e mentes de jovens, adultos, idosos e crianças. Mas a história mostra que, quase sempre, os jovens indicam os caminhos que as próximas gerações devem trilhar. Para mostrar como surgem algumas mudanças na sociedade é que escrevo este texto.

No dia 3 de abril de 2011, um grupo de 12 grafiteiros foi preso por pintar as pilastras de sustentação da linha azul do metro da cidade de São Paulo, no trecho que se entende desde a estação Armênia até a estação Santana. Seria um fato comum se estes jovens artistas tivessem tentado evitar a policia e a justiça, se protegendo de complicações pessoais e uma ficha criminal. Mas a atitude foi de acompanhar os policiais a delegacia, e contatar um jornalista da Folha Online e contar o ocorrido. (Confira a notícia da Folha: http://migre.me/5SQXB )

Recentemente li um texto chamado: “A revolução não partirá do vão livre do Masp”, escrito por um jornalista da revista Carta Capital chamado Matheus Piconelli. Neste texto, o autor aponta uma característica crescente em manifestações públicas de nossa cidade: a falta de foco nas manifestações públicas. Mas apesar da triste realidade retratada pelo texto, alguns aprendizados ficaram em minha mente - é necessário ter preparação, foco e saber em qual terreno se pisa antes de se manifestar. (Confira o texto da Carta Capital: http://migre.me/5SQYG)

Você deve se perguntar: Mas o que existe em comum nas manifestações públicas que beiram o absurdo e a prisão destes grafiteiros? A explicação é simples - ambas as ações foram de contestação a questões incômodas da sociedade. Entretanto, os grafiteiros haviam se preparado durante anos trabalhando em suas obras, vivenciando a dura realidade de quem tenta sobreviver da arte e, principalmente, conhecendo de perto uma legislação que transforma artistas em contraventores ou criminosos. A preparação foi o diferencial; eles tinham em mente os riscos que estavam correndo ao expor suas obras nestes pilares e tinham se preparado para o pior, que de fato aconteceu: foram presos.

Mas a prisão destes jovens foi apenas o começo de uma mudança. O Governo do Estado de São Paulo e o Metro de São Paulo tiveram que intervir devido às noticias e às discussões que foram levantadas através delas. O que no início era feito apenas para substituir o “cinza” das pilastras, com formas e cores que estavam em suas mentes, pouco a pouco se transformava em uma mudança política. O secretario de Cultura, Andrea Matarazzo, entrou em cena e iniciou uma discussão com os artistas, e, por fim, criou na semana passada o 1º Museu de Aberto de Arte Urbana deste país. (Confira o vídeo do Jornal da Gazeta: http://migre.me/5SR0k )

No mês de maio deste ano conversei informalmente com um dos artistas detidos, o grafiteiro Ricardo AKN sobre o que havia ocorrido. Pouco a pouco levantamos questionamentos sobre como a internet permitiu aos moradores da periferia conseguir obter informações que antes não estavam a nossa disposição. AKN era um otimista, defendia que as pessoas hoje não podem mais ter conhecimentos limitados e que as informações estão disponíveis para todos. Eu não concordava com sua opinião e afirmava que nem todos recebiam uma base para aprender a buscar estas informações. O fato é que essas possibilidades de obter conhecimento na década de 90 não existiam e algumas pessoas das periferias entendem esta diferença e se motivam a estudar formalmente, ou se desenvolver a partir do conhecimento disponível da internet. Mas Ricardo deu um exemplo importantíssimo para qualquer morador da periferia de São Paulo, e principalmente para seu distrito, o Jardim Ângela - que o conhecimento e a preparação podem levar alguns indivíduos a transformar uma realidade inaceitável em um mundo melhor.

Parabéns AKN e a todos os grafiteiros que colorem as ruas desta cidade cinza!

Para quem quer conferir as obras de perto, aqui vai o endereço: Av. Cruzeiro do Sul, nº 1100 até 3100

A classe C ganha “espaço” nas páginas do caderno de negócios do Estadão.

Após uma série de transformações na sociedade, a classe C começa a ser o alvo de pesquisas de consumo. Conhecido como target nas campanhas publicitárias, o público alvo das empresas tem mudado de forma - antes com cara de nobreza, em que o trabalho e a história de vida eram irrelevantes - agora se transforma em historias de superação e trabalho coletivo.

As agências de publicidade descobriram nesse novo target uma possibilidade de incremento de vendas, e, para tal, estudam formas de fazer a classe C consumir mais. O jornal O Estado de São Paulo desta segunda-feira, dia 03/10, mostra uma notícia sobre a pesquisa feita pela agencia de propaganda AlmapBBDO, que tenta encontrar um novo perfil da Classe C.

Como era de se esperar, o inicio da pesquisa foi feita a partir de um morador do distrito do Capão Redondo - o copeiro Hamilton - que na matéria não possui sobrenome e tampouco imagem. Ao contrário, a foto que estampa a matéria de meia página é a da equipe que produziu o estudo.

Na pesquisa, a agencia derrubou alguns mitos, tais como: a classe C não assiste só novela e o Ratinho (eles finalmente entenderam isso!), ela está no Facebook (e em todas as outras redes sociais) , e que ela consome enlatados americanos como o Doutor House (A Record passar o Doutor House é coincidência?), e por fim, eles descobriram que publicidades de varejo, onde os “atores-vendedores” aparecem berrando não são bem vistas.

Estes estudos apontam uma característica muito interessante: Mostram que as classes dominantes nunca ouviram as pessoas que as cercam e muito menos as convidaram para participar das criações. Estes anos sem comunicação fizeram com que a classe C, D e E se transformassem em meros consumidores, sem que fossem ao menos consultados sobre o que queriam consumir.

Estes aspectos mostram que as empresas não conhecem seus consumidores e, muitas vezes, criam produtos e propaganda de forma completamente equivocada. Depois se queixam de que os níveis de audiência caem ou que seus produtos encalham nas prateleiras. Isso tudo “porque a classe C costuma consumir produtos criados para as classes A e B”... Isso não é uma verdade e nem uma mentira completa. Criar produtos ou programas pensando em estereótipos faz com que estes produtos não sejam direcionados a ninguém, ou melhor, apenas para aqueles que se vêem desta forma estereotipada.

Recentemente, a fabricante de meias e roupas intimas “Hope” lançou uma campanha publicitária com a “top model” Gisele Bündchen, onde ela ensina as mulheres brasileiras a darem “notícias ruins” aos seus maridos. A campanha indica que a forma correta de se dar más notícias ao cônjuge é com a mulher em trajes íntimos sensuais. Depois de muita polêmica a publicidade foi retirada do ar. Entretanto, o absurdo disso tudo é uma publicidade com uma pessoa conhecida mundialmente tratar as mulheres como dependentes dos homens e terem como principal atributo de defesa o apelo sexual.

Com tudo isso, continuamos a pensar que o copeiro Hamilton não possui sobrenome e tampouco um rosto... E imaginarmos que a televisão realmente tenta levar entretenimento para as pessoas, e, principalmente, que as empresas realmente se importam com o consumidor, seja ele de qualquer classe social.


Link para a publicidade da Hope: http://www.youtube.com/watch?v=RekIsfOkZC8